domingo, 28 de junho de 2009

Sessão Amigos do Cinema - 29 de junho

Meus amigos,
nesta segunda dia 29 de junho os Amigos do Cinema voltam a fazer sua sessão das 20 horas no Centro de Cultura da Estação Férrea, às 20hs.
Para esta segunda o programa é comosto por 6 curta-metragens brasileiros sobre a violência urbana produzidos entre 1998 e 2005, conforme sinopses e crítica abaixo.
Um abraço
Caco



A violência cotidiana, uma das maiores mazelas da sociedade brasileira, não podia ficar fora da mira dos nossos cineastas. E essa seleção de seis curtas-metragens sobre o tema mostra que ela está presente tanto nos grandes centros - caso dos cariocas Rota de colisão (Roberval Duarte) e Bala perdida (Victor Lopes), e dos paulistas O trabalho dos homens (Fernando Bonassi) e Balaio (Luiz Montes) - como em outras regiões do país, exemplificadas por João Pessoa (O cão sedento, de Bruno de Sales) e Cuiabá (Baseado em fatos reais, de Bruno Bini).


Filmes do Programa:
Bala Perdida
Victor Lopes , RJ, 2004
Balaio
Luiz Montes , SP, 2004
Baseado em Fatos Reais
Bruno Bini , MT, 2001
O Cão Sedento
Bruno de Sales , PB, 2005
O Trabalho dos Homens
Fernando Bonassi , SP, 1998
Rota de Colisão
Roberval Duarte , RJ, 1999

Tempo total aproximado do programa: 73 minutos.
Crítica

BANG-BANG NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS
João Carlos Sampaio

Histórias que transportam para a ficção as ocorrências policiais dos grandes centros urbanos do país inspiram os seis curtas-metragens desta seleção, que reúne obras rodadas entre 1998 e 2005.

Dois atiradores de elite se posicionam no terraço de um prédio em São Paulo, aguardando a ordem para executar um seqüestrador. Enquanto esperam o momento de agir, conversas sobre comida e amenidades cotidianas povoam os diálogos de O trabalho dos homens (1998), de Fernando Bonassi. Ele trabalha o acessório como principal, tanto que a violenta ação em curso é vista à distância, numa inversão interessante do foco narrativo.

O curta carioca Rota de colisão (1999) trata do roubo de pedras preciosas, a partir do envolvimento de três personagens. Um operário em sua hora de folga, um garoto aficionado por jogo de gudes e um ladrão em fuga vão se encontrar na trama criada por Roberval Duarte. Ele filma em preto e branco, experimentando texturas. Com uma dramaturgia ultra-realista, não usa diálogos e brinca com as muitas variáveis para a solução da história.

Inspirado em conto do escritor Marçal Aquino, Balaio (2004) apresenta um tenso encontro no bar, que envolve matadores, bandidos e policiais. A ambientação lembra os filmes de faroeste, só que a terra-sem-lei dessa fita é o subúrbio paulistano, em pleno século 21. O diretor Luiz Montes divide a tela em vários quadros para sublinhar as ações simultâneas. O recurso aumenta a tensão da montagem e dá ênfase aos mínimos gestos dos personagens.
Uma locução radiofônica abre a narrativa de O cão sedento, curta paraibano assinado por Bruno de Sales, sobre um assassino em série, que rouba e mata sem deixar vestígios. Trabalha com elementos de suspense, revelando apenas ao espectador os subterfúgios do criminoso, enquanto a polícia e os outros personagens mostrados na trama continuam em busca de respostas. Destaque para o uso de intervenções gráficas, com desenhos que imitam histórias em quadrinhos.

Um exercício de montagem interliga os acontecimentos paralelos de Bala perdida (2004), cuja intersecção mais marcante se dá com a presença sonora de estampidos de tiros e de uma buzina de carro. A ação mostra a tranqüilidade numa praça carioca interrompida por disparos capazes de atingir alvos inocentes. A direção é de Victor Lopes, que levanta o tema sobre a crescente sensação de insegurança nas metrópoles.

Sexo, drogas, rock'n'roll e carros em velocidade preenchem o universo adolescente de Baseado em fatos reais (2001), curta matogrossense dirigido por Bruno Bini, que fecha este painel sobre a violência urbana. A fita recorre a clichês das tramas policiais para contar a história de três rapazes de classe média, cujas vidas são alteradas depois de uma noite de excessos. O filme discute a natureza moral do crime, dando à luz reflexões morais e uma crítica social à impunidade.

*João Carlos Sampaio, 37 anos é jornalista e crítico de cinema. Escreve para veículos impressos e atua também como comentarista em programas de rádio e TV.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

sessão de segunda-feira 29 de junho

Meus amigos,
nesta segunda-feira, dia 29 de junho, os Amigos do Cinema voltam a fazer sua sessão das 20 horas no Centro de Cultura da Estação Férrea.
Para esta segunda o programa é composto por 6 curta-metragens brasileiros sobre a violência urbana produzidos entre 1998 e 2005, conforme sinopses e crítica abaixo.
Um abraço
Caco Baptista



A violência cotidiana, uma das maiores mazelas da sociedade brasileira, não podia ficar fora da mira dos nossos cineastas. E essa seleção de seis curtas-metragens sobre o tema mostra que ela está presente tanto nos grandes centros - caso dos cariocas Rota de colisão (Roberval Duarte) e Bala perdida (Victor Lopes), e dos paulistas O trabalho dos homens (Fernando Bonassi) e Balaio (Luiz Montes) - como em outras regiões do país, exemplificadas por João Pessoa (O cão sedento, de Bruno de Sales) e Cuiabá (Baseado em fatos reais, de Bruno Bini).


Filmes do Programa:
Bala Perdida - Victor Lopes , RJ, 2004
Balaio - Luiz Montes , SP, 2004
Baseado em Fatos Reais - Bruno Bini , MT, 2001
O Cão Sedento - Bruno de Sales , PB, 2005
O Trabalho dos Homens - Fernando Bonassi , SP, 1998
Rota de Colisão - Roberval Duarte , RJ, 1999

Tempo total aproximado do programa: 73 minutos.

Crítica
BANG-BANG NAS METRÓPOLES BRASILEIRAS
João Carlos Sampaio

Histórias que transportam para a ficção as ocorrências policiais dos grandes centros urbanos do país inspiram os seis curtas-metragens desta seleção, que reúne obras rodadas entre 1998 e 2005.
Dois atiradores de elite se posicionam no terraço de um prédio em São Paulo, aguardando a ordem para executar um seqüestrador. Enquanto esperam o momento de agir, conversas sobre comida e amenidades cotidianas povoam os diálogos de O trabalho dos homens (1998), de Fernando Bonassi. Ele trabalha o acessório como principal, tanto que a violenta ação em curso é vista à distância, numa inversão interessante do foco narrativo.
O curta carioca Rota de colisão (1999) trata do roubo de pedras preciosas, a partir do envolvimento de três personagens. Um operário em sua hora de folga, um garoto aficionado por jogo de gudes e um ladrão em fuga vão se encontrar na trama criada por Roberval Duarte. Ele filma em preto e branco, experimentando texturas. Com uma dramaturgia ultra-realista, não usa diálogos e brinca com as muitas variáveis para a solução da história.
Inspirado em conto do escritor Marçal Aquino, Balaio (2004) apresenta um tenso encontro no bar, que envolve matadores, bandidos e policiais. A ambientação lembra os filmes de faroeste, só que a terra-sem-lei dessa fita é o subúrbio paulistano, em pleno século 21. O diretor Luiz Montes divide a tela em vários quadros para sublinhar as ações simultâneas. O recurso aumenta a tensão da montagem e dá ênfase aos mínimos gestos dos personagens.
Uma locução radiofônica abre a narrativa de O cão sedento, curta paraibano assinado por Bruno de Sales, sobre um assassino em série, que rouba e mata sem deixar vestígios. Trabalha com elementos de suspense, revelando apenas ao espectador os subterfúgios do criminoso, enquanto a polícia e os outros personagens mostrados na trama continuam em busca de respostas. Destaque para o uso de intervenções gráficas, com desenhos que imitam histórias em quadrinhos.
Um exercício de montagem interliga os acontecimentos paralelos de Bala perdida (2004), cuja intersecção mais marcante se dá com a presença sonora de estampidos de tiros e de uma buzina de carro. A ação mostra a tranqüilidade numa praça carioca interrompida por disparos capazes de atingir alvos inocentes. A direção é de Victor Lopes, que levanta o tema sobre a crescente sensação de insegurança nas metrópoles.
Sexo, drogas, rock'n'roll e carros em velocidade preenchem o universo adolescente de Baseado em fatos reais (2001), curta matogrossense dirigido por Bruno Bini, que fecha este painel sobre a violência urbana. A fita recorre a clichês das tramas policiais para contar a história de três rapazes de classe média, cujas vidas são alteradas depois de uma noite de excessos. O filme discute a natureza moral do crime, dando à luz reflexões morais e uma crítica social à impunidade.

*João Carlos Sampaio, 37 anos é jornalista e crítico de cinema. Escreve para veículos impressos e atua também como comentarista em programas de rádio e TV.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Sessão dia 22 de junho de 2009


Nossa sessão do dia 22 de junho, próxima segunda, ocorrerá no Cine Santa Cruz, no Shopping Imigrantes, às 21h20. O filme apresentado será Divã, baseado na obra da escritora gaúcha Martha Medeiros.
Brasil, 2009, Comédia, 93 min.
Sinopse:
Mercedes (Lília Cabral) é uma mulher casada e com dois filhos que, aos 40 anos, tem a vida estabilizada. Um dia ela resolve, por curiosidade, procurar um analista. Aos poucos ela descobre facetas que desconhecia, tendo que contar com o marido Gustavo (José Mayer) e a amiga Mônica (Alexandra Richter) para ajudá-la.

Mais informações no site oficial: www.divaofilme.com.br

sexta-feira, 12 de junho de 2009


Os Esquecidos, de Buñuel. Nesta segunda, 20 horas, na Estação.

Nesta segunda-feira, dia 15 de junho vamos projetar Os Esquecidos, de Luis Buñuel. Como todas as segundas, a sessão inicía às 20 horas, na Estação Férrea, e será segiuida de debate. Depois de termos visto Os Incompreendidos, de Truffaut, na última segunda, continuamos com a temática da vida e das dificuldades dos adolescentes pobres nas grandes cidades da metade do século passado. Estes filmes escancaram a incapacidade daquelas sociedades em lidar com seus adolescentes por meio de instituições como a escola ou os reformatórios. Nossa sociedade, nossa época, parece não conseguir ver as raízes, a historicidade e a amplitude da questão da inserção dos adolescentes na sociedade capitalista de meados do século XX.

Os Esquecidos é uma impressionante obra-prima do mestre espanhol Luis Buñuel (1900-1983), diretor dos memoráveis A Bela da Tarde, O Discreto Charme da Burguesia, O Anjo Exterminador, entre tantos outros.
O filme narra a vida de um grupo de meninos nos bairros pobres da Cidade do México nos anos 50. O adolescente El Jaibo foge do reformatório e volta para uma vida marcada pela miséria e falta de perspectivas. Ao lado de outros garotos, vive de pequenos assaltos até que se envolve num assassinato. O retrato realista do cotidiano dos menores abandonados serviu de inspiração para Hector Babenco realizar o inesquecível Pixote, a Lei do Mais Fraco.

Ficha técnica:
Título: Os Esquecidos (Los Olvidados )
Direção: Luis Buñuel
País de origem: México
Ano: 1950
Audio original: Espanhol
Trilha Sonora: Rodolfo Halffter, Gustavo Pittaluga
Duração: 77 minutos - Faixa etária: a partir de 14 anos - P&B
Elenco: Alfonso Mejía, Estela Inda, Miguel Inclán, Roberto Cobo, Alma Delia Fuentes, Francisco Jambrina, Jesús Navarro, Efraín Arauz, Sergio Villarreal, Jorge Pérez

Comentários:

Os Esquecidos
(Los Olvidados, 1950 - MEX)
Hector Babenco bebeu dessa fonte para realizar Pixote, bebeu não, embriagou-se, disso tenho certeza. Tamanha a proximidade das duas obras, excluindo-se o grande hiato temporal entre elas. O clássico de Luis Buñuel é menos urgente, e a violência cruel de sua época soa hoje como cócegas perto da infinidade de atrocidades que estamos acostumados a presenciar. Por outro lado aproxima-se bastante do que mais tarde Truffaut faria em Os Incompreendidos, aquela perda da inocência, a troca da ingenuidade pela necessidade extrema de sobrevivência num mundo que teima em tratá-los como subumanos, os esquecidos.
Um bando de garotos comete pequenos delitos na Cidade do México, Jaibo, o mais velho do bando conseguiu escapar do reformatório e volta a liderá-los. A história acompanha principalmente Jaibo e Pedro (um dos mais jovens que sofre com uma forte rejeição materna, a mãe não sabe como lidar com esse momento efervescente do filho e prefere rejeitá-lo). Pedro até tenta ajustar-se, arrumar emprego, mas a presença de Jaibo é crucial para que a sociedade o condene. Um assassinato muda de vez a vida desses garotos.
Os Esquecidos talvez seja o primeiro grande filme sobre esses delinqüentes de rua, sobre essa geração de garotos acostumados com a violência no seu percalço. Os garotos extrapolaram a violência pueril das brincadeiras entre os amigos para transformá-la numa forma de ganha-pão, ilícito, mas que lhes rendia uns trocados. Descobriram muito mais que um caminho sem volta. Buñuel impressiona pelo dinamismo que oferece aos seus personagens e na imparcialidade com que trata seus dramas, de tão realista quase transforma em documentário aqueles que seriam os tios de Pixote. Como o mundo não enxerga que meio-século se passou e a situação apenas se agrava?

Michel Simões on abril 13, 2006 8:44 AM
http://www.verbeat.org/blogs/michelsimoes/2006/04/os_esquecidos.html


Os Esquecidos
Tido como a verdadeira retomada de Luis Buñuel no universo do cinema, depois de um hiato de praticamente 20 anos, Os Esquecidos é prova de seu inconformismo com a sociedade, o que inclui até ele mesmo. O surrealismo que o marcou em início de carreira desaparece completamente para dar lugar a uma crítica social incisiva e contundente, numa crônica suburbana com personagens riquíssimos em sua aparente simplicidade. O centro do drama é o menino Pedro (Alfonso Mejía), um desgarrado que vive se metendo em encrencas com os amigos, em particular o delinqüente Jaibo (Roberto Cobo). Há esperança para esses garotos sem perspectiva? Sim, há, mas quem mais deveria fornecê-la está calejado por uma realidade cruel demais para fazê-lo.
O longa é sessão obrigatória para quem deseja conhecer a fundo o cinema de crítica social. Além disso, tal qual Bergman na Europa, filmes como este fazem parte de um grupo restrito: o dos trabalhos que transcendem o formato e alcançam o status de pura arte.
http://www.kollision.biz/movies/mov_files/mov_olvidados.htm

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Nesta segunda às 20 horas na Estação: Os Incompreendidos, de François Truffaut.

Nesta segunda, dia 8 de junho, os Amigos do Cinema exibirão, na sua sessão das 20 horas na Estação Férrea, o filme Os Incompreendidos, de François Truffaut.
Este filme é um dos marcos da nouvelle vague francesa e frequenta todas as listas dos melhores filmes de todos os tempos.

Ficha Técnica

Título Original: Les Quatre Cents Coups
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1959
Estúdio: Sédif Productions / Les Films du Carrosse
Distribuição: Cocinor
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut e Marcel Moussy, baseado em estória de François Truffaut
Produção: François Truffaut
Música: Jean Constantin
Fotografia: Henri Decaë
Direção de Arte: Bernard Evein
Edição: Marie-Josèphe Yoyotte


Elenco
Jean-Pierre Léaud (Antoine Doinel)
Claire Maurier (Gilberte Doinel)
Albert Rémy (Julien Doinel)
Guy Decomble (Petite Feuille)
Georges Flamant (Sr. Bigey)
Patrick Auffay (Rene)
Richard Kanayan (Abbou)
Yvonne Claudie (Madame Bigey)
Robert Beauvais (Diretor da escola)
Jacques Monod (Comissário)
Pierre Repp (Professor de inglês)
Henri Virlojeux (Vigilante noturno)
François Truffaut



Sinopse
Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) é o filho negligenciado de Gilberte Doinel (Claire Maurier), que parece ter tempo para tudo menos o bem-estar da criança. Julien Doinel (Albert Rémy) não é o pai biológico, mas cria o menino como se fosse seu filho. Gilberte está tendo um caso e não se surpreende quando, por acaso, Julien fica sabendo que Antoine não está indo à aula, pois ela sabia que na hora do colégio o filho a tinha visto com seu amante. A situação se agrava quando Antoine, para justificar sua ausência no colégio, "mata" a mãe. Quando seus pais aparecem na escola, a verdade é descoberta e Julien o esbofeteia na frente de seus colegas. Após isto ele foge de casa e arruma um lugar para dormir. Paralelamente seus pais culpam um ao outro pelo comportamento dele, após lerem a carta na qual ele se despede. No outro dia Antoine vai à escola normalmente. Lá sua mãe o encontra e se mostra preocupada por ele ter passado a noite em uma gráfica. Ela alegremente o aceita de volta, mas os problemas não acabam. Antoine se desentende com um professor, que o acusa de plagiar Balzac. Como ele odeia a escola, sai de casa de novo e para viver é obrigado a fazer pequenos roubos.



CRÍTICA
Truffaut faz manifesto de fluência e beleza em Os Incompreendidos

Nenhuma palavra é excessiva, nenhum corte é impreciso, nenhuma imagem supérflua em Os Incompreendidos (1959), o primeiro longa-metragem de François Truffaut, que volta hoje ao cinema em cópia nova. Assim, quando o professor zomba de um poema escrito na parede por Antoine Doinel, o personagem principal, dizendo que o menino de 13 anos quer ser poeta "sem saber distinguir um alexandrino de um decassílabo" e que ele "massacra a prosódia francesa", o endereço é um só. O professor encarna a "tradição de qualidade" do cinema francês, que, como crítico, Truffaut combateu com unhas e dentes.

O alvo de Truffaut eram os filmes que se davam por satisfeitos em buscar respeitabilidade em características externas a si mesmos, como origem literária, atores celebrizados no palco, cenografia dispendiosa. Contra o cheiro de mofo do cinema "nobre", Truffaut propunha um cinema abertamente plebeu, e muitas vezes descaradamente burguês.

Os Incompreendidos não foi o primeiro filme da Nouvelle Vague, mas Truffaut, aos 27 anos, o realizou com a convicção de que era um manifesto estético. Acossado, que Jean-Luc Godard lançaria alguns meses depois, completaria o serviço, e o cinema francês mudaria para sempre. Truffaut e Godard, que haviam sido os críticos mais destacados entre os "jovens turcos" da revista "Cahiers du Cinéma", escreveram juntos o argumento inicial dos dois filmes. Bem mais tarde, nos anos 70, os dois tiveram uma briga definitiva, mas cada um já tinha tomado rumo bem diferente daquele que um dia os havia unido. Quando Os Incompreendidos recebeu o prêmio de melhor direção no festival de Cannes, Godard fez a comemoração mais célebre. "Nós, como críticos, vencemos com o princípio de que um filme de Alfred Hitchcock é tão importante quanto um livro de Louis Aragon", escreveu. "Hoje a vitória é nossa". Eles, como críticos, tinham princípios ainda mais ousados. "Qualquer um pode ser diretor de cinema" e "só o amadorismo salvará o cinema" eram outros dos lemas de Truffaut e Godard em seus tempos heróicos.

Porque é um grande filme, mas também, talvez, porque o estado geral do cinema hoje em dia se preste a suscitar reações revoltadas como aquelas, Os Incompreendidos transcorre na tela com tanta fluência, tanta beleza, que humilha todos os outros filmes em cartaz. Truffaut conta a história de sua primeira adolescência, com uma ou outra alteração de fatos, mas todas as sensações intactas, sobretudo uma sensação de clandestinidade, a que sempre se referia - clandestinidade porque fugir da presença dos pais, e cuidar para que eles não percebessem, era sua atividade prioritária. Não havia refúgio mais completo, nem mais prazeroso do que os livros e o cinema.

Truffaut se sentia desprezado e odiado pela mãe, e tolerado pelo pai adotivo (como o de Doinel). Segundo ele, não era maltratado; era simplesmente "tratado". Dizia isso em entrevistas e disse também para o pai, numa carta furiosa enviada depois do lançamento de Os Incompreendidos, em resposta a outra, não menos furiosa, em que Roland Truffaut se queixava de ter, com a mulher, se tornado objeto de ódio nacional, por causa da exposição pública dos rancores de François.

Se o filme não se tornou uma ladainha de autocomiseração - longe disso -, em parte foi porque Truffaut encontrou um ator que foi também um autêntico colaborador. Ligeiramente inclinado à delinqüência, como Truffaut, Jean Pierre Léaud matou aula no dia em que compareceu ao teste para o papel, que foi sendo mudado para se adaptar a ele. Na história do filme, Truffaut entrou com muitos fatos - como o personagem, ele foi internado num reformatório pelo pai, roubou uma máquina de escrever, venerava Balzac e freqüentemenete era deixado sozinho em casa. Léaud entrou com um pouco do espírito. Truffaut dizia que seu ator (que faria o papel de Antoine Doinel em outros quatro filmes), por seu romantismo visceral, era um homem do século XIX.

Inimigo das generalidades categóricas e dos golpes de teatro, Truffaut evitou envolver Doinel e seus pais num clima de pesadelo de Dickens (a presença do escritor inglês está em outros elementos, como a mansão empoeirada em que mora seu amigo, saída diretamente de Grandes Esperanças). Doinel não sofre violência física, nem mesmo ameaças, e seus pais têm algumas das melhores características humanas. À mãe cabe a beleza: em sua primeira aparição tira as meias e deixa ver as belas pernas; mais tarde, explica ao filho o valor dos estudos (para que ele saiba escrever cartas) e, quando ele é enviado ao reformatório, pede que seja escolhido um lugar à beira do mar. Ao pai, cabe o humor. De ambos, Doinel tira indicações que o levarão aos livros e ao cinema. Quando ele foge de casa, dorme numa gráfica. À procura de uma liberdade que seus pais lhe dão pela metade, encontra na rua ninguém menos que Jeanne Moreau procurando um cachorrinho, e se deixa enfeitiçar imediatamente por ela.

Os Incompreendidos é dedicado a André Bazin, o crítico de cinema que recolheu Truffaut do reformatório e lhe deu a oportunidade de escrever para os "Cahiers". Bazin, a quem o cineasta considerava pai, morreu no primeiro dia de filmagens. Um pouco da fotografia altamente contrastada de Henri Decae, um pouco da gravidade do olhar de Léaud (congelado na seqüência final) transmitem a atmosfera de luto num filme que não poderia mesmo deixar de ser, simplesmente, triste. Mas Os Incompreendidos tem momentos muito engraçados, em especial a maioria das cenas na sala de aula, e outros de enorme encantamento, todos diretamente relacionados ao mundo do espetáculo: o carrossel que parece uma lanterna mágica, o teatro de fantoches, a alegre volta do cinema no carro do pai. Com esta estréia, Truffaut conseguiu o raro feito de transformar admiração em arte, encontrar a própria voz em meio a um emaranhado de referências externas. Foi em Jean Vigo e Roberto Rossellini que ele encontrou a inspiração que procurava, para combater a sofisticação e o sentimentalismo, como diria depois.

Márcio Ferrari/ Investnews-Gazeta Mercantil