Na próxima sessão apresentaremos a comédia britânica Na mira do chefe.
Seguem informações:
Sinopse: Bruges, a mais bem preservada cidade medieval em toda a Bélgica, é um destino acolhedor para os viajantes de todo o mundo. Mas para os atiradores profissionais Ray e Ken, bem poderia ser o seu último destino: um trabalho difícil resultou no envio do par, seguindo ordens de Harry, o chefe Londrino, mesmo antes do Natal, para a cidade Flamenga durante duas semanas, para arrefecer os ânimos. Completamente deslocados no meio da arquitectura gótica, canais e calçadas, os dois homens limitaram-se a ver os dias decorrer, como simples turistas. Ray, ainda assombrado pelo derramamento de sangue em Londres, odeia o local, enquanto Ken, embora mantendo um olhar paternal nas muitas explorações profanas de Ray, vê o seu espírito e alma expandirem-se com a beleza e serenidade da cidade. Mas quanto mais tempo aguardam a chamada de Harry, mais surrealista se torna a experiência, envolvendo-se em estranhos encontros com a população local, turistas, arte medieval , um actor americano anão que grava um filme de arte Europeu, prostitutas holandesas e um potencial romance para Ray sob a forma de Chloë, que também ela parece ter alguns segredos ocultos. E quando chega finalmente a chamada de Harry, as férias de Ken e Ray transformam-se numa luta de vida e morte de proporções cómicas e consequências surpreendentemente emocionais.
Crítica: Celso Sabadin, Yahoo cinema
Que belíssima estréia! Aos 38 anos, o inglês Martin McDonagh escreve e dirige o seu primeiro longa-metragem demonstrando um raro talento: equilibrar com harmonia o drama e a comédia. Delicioso, Na Mira do Chefe começa mostrando os matadores profissionais Ray (Colin Farrell) e Ken (Brendan Gleeson) fugindo para a belíssima cidade belga de Bruges. Ambos precisam ficar por ali à espera de um telefonema do patrão, que passará novas instruções aos assassinos. Enquanto isso, a dupla não consegue se entender: Ken se delicia com o valor histórico e a arquitetura gótica de Bruges, mas Ray só se interessa mesmo por cerveja e mulheres. Na Mira do Chefe é cheio de surpresas. Todas elas muito boas. Melhor ainda que a inteligente construção do roteiro é a precisão e o ritmo dos diálogos – extremamente cínicos e divertidos – a maioria deles otimamente interpretada por um eficientíssimo Colin Farrell. Usando o submundo do crime como pano de fundo, Na Mira do Chefe se apóia no humor sarcástico e em situações inesperadas para abordar temas como culpa, honra, amizade, fidelidade e ética. De quebra, deixa bem clara a bronca que o europeu tem contra os EUA e seus habitantes. Além de uma cena hilariante e politicamente incorreta contra uma família de obesos norte-americanos, o filme destila algumas preciosidades cínicas como esta: - Você é americano? - Sim, mas não use isso contra mim. - Vou tentar. Há também uma série de trocadilhos e mal-entendidos provocados por diferentes sotaques que são intraduzíveis para o português. Na Mira do Chefe une com maestria criminalidade, drama e humor, mas sem cair na (também muito boa) fórmula gráfica desenvolvida por Guy Ritchie em Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e similares. O filme tampouco segue a linha Tarantinesca de estilização gratuita da violência. Sua força está nas palavras e nas interpretações, ainda que não descuide em nenhum momento do belo visual, amparado pela beleza plástica da cidade onde foi totalmente rodado. É um legítimo representante do saboroso e mundialmente conhecido humor britânico, que andava meio esquecido nos cinemas. Com sórdidas pitadas de humor negro. Ah, e alguém contou: em 107 minutos de filme, a palavra fuck e suas variações são pronunciadas 126 vezes.
Premiações
- Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original.
- Ganhou o Globo de Ouro de Melhor Ator - Comédia/Musical (Colin Farrell), além de ter sido indicado nas categorias de Melhor Filme - Comédia/Musical e Melhor Ator - Comédia/Musical (Brendan Gleeson).
- Ganhou o BAFTA de Melhor Roteiro Original, além de ter sido indicado nas categorias de Melhor Filme Britânico, Melhor Ator Coadjuvante (Brendan Gleeson) e Melhor Edição.
Curiosidades
- A palavra "fuck" e seus derivados são citados 126 vezes ao longo do filme, uma média de 1,18 por minuto.
- As filmagens ocorreram entre 2 de fevereiro e 28 de março de 2007.
- Para criar um clima natalino várias ruas de Bruges foram enfeitadas no final de março. Na época a prefeitura divulgou um comunicado oficial, explicando aos cidadãos o porquê dos enfeites.
- Exibido na mostra Foco Reino Unido, no Festival do Rio 2008
Ficha Técnica
Título Original: In Bruges
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 107 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra / Bélgica): 2008
Site Oficial: www.inbruges.co.uk
Estúdio: Focus Features / Film4 / Blueprint Pictures / Scion Films
Distribuição: Focus Features / Paris Filmes
Direção: Martin McDonagh
Roteiro: Martin McDonagh
Produção: Graham Broadbent e Peter Czernin
Música: Carter Burwell
Fotografia: Eigil Bryld
Desenho de Produção: Michael Carlin
Direção de Arte: Chris Lowe
Figurino: Jany Temime
Edição: Jon Gregory
Elenco
Colin Farrell (Ray)
Brendan Gleeson (Ken)
Ralph Fiennes (Harry Waters)
Clémense Poésy (Chloë)
Jérémie Renier (Eirik)
Thekla Reuten (Marie)
Jordan Prentice (Jimmy)
Elizabeth Berrington (Natalie)
Eric Godon (Yuri)
Sachi Kimura (Imamoto)
Anna Madeley (Denise)
Ciarán Hinds (Padre
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
A Morte (La commare secca), de Bernardo Bertolucci. Nesta segunda (17/08), às 20 horas na Estação
A Morte (La Commare Seca), de Bernardo Bertolucci (Itália, 1962)
Sinopse: Inédito no Brasil, A Morte (La Commare Secca) é o primeiro filme do diretor Bernardo Bertolucci. Na periferia de Roma, é encontrado o corpo de uma jovem prostituta brutalmente assassinada. A polícia interroga uma série de suspeitos. No estilo de Rashomon, de Akira Kurosawa, conhecemos as diferentes versões de cada um deles por meio de flashbacks. Quem está contando a verdade? Com roteiro de Pier Paolo Pasolini, Bertolucci constrói um filme fascinante sobre a natureza da verdade e o processo da memória.
Ficha
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Pier Paolo Pasolini
Ano: 1962
País: Itália
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 93 min. / p&b
Título Original: La Commare Secca
Elenco:
Gabriella Giorgetti, Giancarlo de Rosa, Vincenzo Ciccora, Alvaro D'Ercole, Romano Labate, Carlotta Barilli, Lorenza Benedetti, Clorinda Celani, Silvio Laurenzi
Detalhes Artísticos
Gêneros: Drama
Temas: Investigações De Assassinato
Crítica
Prosa com poesia, poesia em prosa
Quando rodou o primeiro plano de seu primeiro longa-metragem, Bernardo Bertolucci tinha 21 anos de idade e um livro de poemas publicado. Em set de filmagem, também tivera experiência única, ainda que marcante, como assistente de direção de Acattone – Desajuste Social (1961), de Píer Paolo Pasolini, cineasta então estreante, que se tornou teórico de um “cinema de poesia”. Pois, na entrevista veiculada no DVD de A Morte (La Commare Seca , 1962), Bertolucci lembra da ambição de escrever poesia com sua câmera. Objetivo esse que, segundo sua “fala”, era fruto da inexperiência da ocasião, mas, que no começo dos anos 60 (algo ignorado por ele na edição), foi um dos desafios das experimentações modernas – atualizando uma busca do poético, empreendida, sobretudo nos anos 20, por expressões vinculadas às vanguardas européias.
É evidente nessa primeira obra as marcas de uma poesia visual escrita com a câmera (como os travellings demonstrativos de autoria e reveladores de uma fome de mise-en-scène), assim como está clara a inserção de momentos como “parênteses” do relato, como áreas de escape da narrativa, que a interrompem para se deter no fluxo elíptico das experiências. Mas esses espaços do poético, em geral salientados pelo exibicionismo de uma caligrafia visual, estão a serviço de uma prosa. Há, como núcleo narrativo, a voz de um investigador interrogando suspeitos do assassinato de uma prostituta. Temos a reivindicação da memória do dia e da noite vividos pelos suspeitos nas horas anteriores ao momento do crime. Temos relatos, enfim, um após o outro. E as imagens desses relatos, da tarde-noite dos suspeitos, sucessivamente até o final. Bertolucci trabalha com a poesia dentro dos planos e com a prosa na estruturação das seqüências. Se opera na simultaneidade das ações em um mesmo espaço (a cidade de Roma durante a tarde, o parque Paolino durante a noite), o tempo avança em elipses dentro de uma ordem cronológica em cada bloco, cada um deles composto do mesmo período de horas na vida dos suspeitos. Há linearidade na sucessão dos depoimentos e dentro dos próprios depoimentos.
O que os conecta, além do parque à noite, para onde todos convergem, é uma tempestade. Ao ouvirmos o som de um trovão, em mais de uma oportunidade, vemos um corte para uma janela. Do lado de fora, chuva. De dentro, uma mulher que, depois de aparecer em um primeiro momento acordando, reaparece depois se preparando para a noite. É a prostituta que, após a primeira seqüência, com o corpo estendido ao lado do rio, surge de novo no quarto e, em alguns momentos, entra no campo de visão dos suspeitos no parque. Como os suspeitos também, eventualmente, cruzam uns com os outros, ou pelo menos vêem uns aos outros em suas passagens pelo parque à noite, cria-se uma espécie de “coral”, com uma estrutura que, nos últimos anos, tornou-se moda: uma narrativa abarcando outras, com cada uma delas, em seu transcorrer, fazendo esquinas e intersecções com as demais, com protagonistas de uma história sendo figurantes em outras.
No entanto, em 1962, já havia Rashomon, de Akira Kurosawa, com seu desdobramentos de versões e pontos de vistas sobre um mesmo personagem, de modo a se questionar a verdade em primeiro plano, mas a imagem como verdade em um segundo momento. Se há verdade é móvel, mutante, fluida, movediça, o que resta à imagem, se não reproduzir esse pântano de sentidos? Não podemos esquecer, ainda nesse sentido, dos dois filmes de Alain Resnais (Hiroshima Mon Amour e O Ano Passado em Marienbad), lançados poucos anos antes de La Commare Seca, com um enfoque da memória como labirinto e reinvenção: a memória produz imagens, mas com qual veracidade? Imagens de experiências ou do desejo de experiências?
Bertolucci garante na entrevista já mencionada que não havia assistido Rashomon antes de fazer La Cammare Seca. Não importa. O importante, em uma possível conexão entre os dois filmes, é que, em relação à imagem, Bertolucci preserva seu sentido de documento de verdade. Há um crime, um interrogatório (só com a voz do interrogador), suspeitos e uma punição ao final. Mais importante: chega-se à solução por conta de um “olhar”, de um observador, um homem sem câmera, porém com os olhos abertos, testemunha da violência de seu mundo. Ele viu o crime. Viu uma imagem. E tê-la visto é suficiente para a polícia usar sua visão como prova inconteste. Assim como a descrição da lembrança é prova em si mesma da inocência ou não dos suspeitos. É preciso lembrar em detalhes, ter muitas imagens para contar. La Commare Seca é um exercício de precisão ou de ficção da memória, ou ao menos de crença da polícia e do diretor nessa precisão possivelmente ficionalizada. Nesse sentido, há, sem esse propósito, uma resposta a Resnais. Há um resgate da ameaçada natureza da verdade e da imagem como tal, mesmo sendo uma imagem não reproduzida tecnicamente, mas uma imagem impressa no cérebro.
A presença de Pasolini
La Commare Seca era um projeto de Pasolini com o produtor Antonio Cervi. Bertolucci seria apenas um dos roteiristas. Foi orientado pelo produtor, que queria um sucesso similar ao de Acattone, a fazer algo “pasoliniano” – apesar de Pasolini, naquele momento ter realizado apenas um filme. Excessos do culto ao autor. De acordo com Cervi, Bertolucci fracassou. E graças ao fracasso de ser cover de Pasolini foi convidado a dirigir ele mesmo o filme. Segundo afirma Bertolucci nos extras, seu roteiro pouco tinha a ver com Pasolini, exceção feita à ambientação e aos acontecimentos. Enquanto Pasolini fizera Acattone com closes fixos e frontais, buscando uma poesia das pinturas toscanas, buscando algo de sagrado naqueles rostos do povo, Bertolucci diz ter trabalhado constantemente com os travellings, com a câmera circulando pelos espaços. O estilo do filme nasce, portanto, da negação de seu “mestre”.
Mas é inegável a presença de Pasolini. A aparente simplicidade dos acontecimentos vividos pelos personagens na única tarde e na única noite nas quais são acompanhados pela câmera não esconde uma certa busca de algo especial e extraordinário nesses acontecimentos – como se a ida ao parque à noite carregasse para cada um ali um certo ritual de descoberta ou de confirmação de uma vida dura e desfavorável, uma certa pureza obtida pela experiência no andar térreo ou no subsolo da Ítala do pós-guerra, a Itália dos anos 50, que não havia se transformado em um país dos sonhos.
Cada experiência vivida na Roma do início dos anos 60 é uma imagem daquela cidade naquele momento. É a mesma Roma de A Doce Vida, de Federico Fellini, mas uma outra Roma dentro daquela Roma, uma Roma de periferia, de gente miúda, de rapazes tolos de tão arcaicos, de outros malandros e violentos, de seres sexuamente ambíguos, todos manifestando violência ou desconforto. Não se busca aqui o povo como no neo-realismo, explorando a imagem índice de real, mas um povo cuja imagem está em uma proposta estetizante, construtivista, que explicita suas operações. Esse é o lado poesia de Bertolucci, um poeta da escrita que, em sua primeira experiência como diretor, não abre mão de trabalhar na prosa.
Cléber Eduardo http://www.revistacinetica.com.br/commareseca.htm
Sinopse: Inédito no Brasil, A Morte (La Commare Secca) é o primeiro filme do diretor Bernardo Bertolucci. Na periferia de Roma, é encontrado o corpo de uma jovem prostituta brutalmente assassinada. A polícia interroga uma série de suspeitos. No estilo de Rashomon, de Akira Kurosawa, conhecemos as diferentes versões de cada um deles por meio de flashbacks. Quem está contando a verdade? Com roteiro de Pier Paolo Pasolini, Bertolucci constrói um filme fascinante sobre a natureza da verdade e o processo da memória.
Ficha
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Pier Paolo Pasolini
Ano: 1962
País: Itália
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 93 min. / p&b
Título Original: La Commare Secca
Elenco:
Gabriella Giorgetti, Giancarlo de Rosa, Vincenzo Ciccora, Alvaro D'Ercole, Romano Labate, Carlotta Barilli, Lorenza Benedetti, Clorinda Celani, Silvio Laurenzi
Detalhes Artísticos
Gêneros: Drama
Temas: Investigações De Assassinato
Crítica
Prosa com poesia, poesia em prosa
Quando rodou o primeiro plano de seu primeiro longa-metragem, Bernardo Bertolucci tinha 21 anos de idade e um livro de poemas publicado. Em set de filmagem, também tivera experiência única, ainda que marcante, como assistente de direção de Acattone – Desajuste Social (1961), de Píer Paolo Pasolini, cineasta então estreante, que se tornou teórico de um “cinema de poesia”. Pois, na entrevista veiculada no DVD de A Morte (La Commare Seca , 1962), Bertolucci lembra da ambição de escrever poesia com sua câmera. Objetivo esse que, segundo sua “fala”, era fruto da inexperiência da ocasião, mas, que no começo dos anos 60 (algo ignorado por ele na edição), foi um dos desafios das experimentações modernas – atualizando uma busca do poético, empreendida, sobretudo nos anos 20, por expressões vinculadas às vanguardas européias.
É evidente nessa primeira obra as marcas de uma poesia visual escrita com a câmera (como os travellings demonstrativos de autoria e reveladores de uma fome de mise-en-scène), assim como está clara a inserção de momentos como “parênteses” do relato, como áreas de escape da narrativa, que a interrompem para se deter no fluxo elíptico das experiências. Mas esses espaços do poético, em geral salientados pelo exibicionismo de uma caligrafia visual, estão a serviço de uma prosa. Há, como núcleo narrativo, a voz de um investigador interrogando suspeitos do assassinato de uma prostituta. Temos a reivindicação da memória do dia e da noite vividos pelos suspeitos nas horas anteriores ao momento do crime. Temos relatos, enfim, um após o outro. E as imagens desses relatos, da tarde-noite dos suspeitos, sucessivamente até o final. Bertolucci trabalha com a poesia dentro dos planos e com a prosa na estruturação das seqüências. Se opera na simultaneidade das ações em um mesmo espaço (a cidade de Roma durante a tarde, o parque Paolino durante a noite), o tempo avança em elipses dentro de uma ordem cronológica em cada bloco, cada um deles composto do mesmo período de horas na vida dos suspeitos. Há linearidade na sucessão dos depoimentos e dentro dos próprios depoimentos.
O que os conecta, além do parque à noite, para onde todos convergem, é uma tempestade. Ao ouvirmos o som de um trovão, em mais de uma oportunidade, vemos um corte para uma janela. Do lado de fora, chuva. De dentro, uma mulher que, depois de aparecer em um primeiro momento acordando, reaparece depois se preparando para a noite. É a prostituta que, após a primeira seqüência, com o corpo estendido ao lado do rio, surge de novo no quarto e, em alguns momentos, entra no campo de visão dos suspeitos no parque. Como os suspeitos também, eventualmente, cruzam uns com os outros, ou pelo menos vêem uns aos outros em suas passagens pelo parque à noite, cria-se uma espécie de “coral”, com uma estrutura que, nos últimos anos, tornou-se moda: uma narrativa abarcando outras, com cada uma delas, em seu transcorrer, fazendo esquinas e intersecções com as demais, com protagonistas de uma história sendo figurantes em outras.
No entanto, em 1962, já havia Rashomon, de Akira Kurosawa, com seu desdobramentos de versões e pontos de vistas sobre um mesmo personagem, de modo a se questionar a verdade em primeiro plano, mas a imagem como verdade em um segundo momento. Se há verdade é móvel, mutante, fluida, movediça, o que resta à imagem, se não reproduzir esse pântano de sentidos? Não podemos esquecer, ainda nesse sentido, dos dois filmes de Alain Resnais (Hiroshima Mon Amour e O Ano Passado em Marienbad), lançados poucos anos antes de La Commare Seca, com um enfoque da memória como labirinto e reinvenção: a memória produz imagens, mas com qual veracidade? Imagens de experiências ou do desejo de experiências?
Bertolucci garante na entrevista já mencionada que não havia assistido Rashomon antes de fazer La Cammare Seca. Não importa. O importante, em uma possível conexão entre os dois filmes, é que, em relação à imagem, Bertolucci preserva seu sentido de documento de verdade. Há um crime, um interrogatório (só com a voz do interrogador), suspeitos e uma punição ao final. Mais importante: chega-se à solução por conta de um “olhar”, de um observador, um homem sem câmera, porém com os olhos abertos, testemunha da violência de seu mundo. Ele viu o crime. Viu uma imagem. E tê-la visto é suficiente para a polícia usar sua visão como prova inconteste. Assim como a descrição da lembrança é prova em si mesma da inocência ou não dos suspeitos. É preciso lembrar em detalhes, ter muitas imagens para contar. La Commare Seca é um exercício de precisão ou de ficção da memória, ou ao menos de crença da polícia e do diretor nessa precisão possivelmente ficionalizada. Nesse sentido, há, sem esse propósito, uma resposta a Resnais. Há um resgate da ameaçada natureza da verdade e da imagem como tal, mesmo sendo uma imagem não reproduzida tecnicamente, mas uma imagem impressa no cérebro.
A presença de Pasolini
La Commare Seca era um projeto de Pasolini com o produtor Antonio Cervi. Bertolucci seria apenas um dos roteiristas. Foi orientado pelo produtor, que queria um sucesso similar ao de Acattone, a fazer algo “pasoliniano” – apesar de Pasolini, naquele momento ter realizado apenas um filme. Excessos do culto ao autor. De acordo com Cervi, Bertolucci fracassou. E graças ao fracasso de ser cover de Pasolini foi convidado a dirigir ele mesmo o filme. Segundo afirma Bertolucci nos extras, seu roteiro pouco tinha a ver com Pasolini, exceção feita à ambientação e aos acontecimentos. Enquanto Pasolini fizera Acattone com closes fixos e frontais, buscando uma poesia das pinturas toscanas, buscando algo de sagrado naqueles rostos do povo, Bertolucci diz ter trabalhado constantemente com os travellings, com a câmera circulando pelos espaços. O estilo do filme nasce, portanto, da negação de seu “mestre”.
Mas é inegável a presença de Pasolini. A aparente simplicidade dos acontecimentos vividos pelos personagens na única tarde e na única noite nas quais são acompanhados pela câmera não esconde uma certa busca de algo especial e extraordinário nesses acontecimentos – como se a ida ao parque à noite carregasse para cada um ali um certo ritual de descoberta ou de confirmação de uma vida dura e desfavorável, uma certa pureza obtida pela experiência no andar térreo ou no subsolo da Ítala do pós-guerra, a Itália dos anos 50, que não havia se transformado em um país dos sonhos.
Cada experiência vivida na Roma do início dos anos 60 é uma imagem daquela cidade naquele momento. É a mesma Roma de A Doce Vida, de Federico Fellini, mas uma outra Roma dentro daquela Roma, uma Roma de periferia, de gente miúda, de rapazes tolos de tão arcaicos, de outros malandros e violentos, de seres sexuamente ambíguos, todos manifestando violência ou desconforto. Não se busca aqui o povo como no neo-realismo, explorando a imagem índice de real, mas um povo cuja imagem está em uma proposta estetizante, construtivista, que explicita suas operações. Esse é o lado poesia de Bertolucci, um poeta da escrita que, em sua primeira experiência como diretor, não abre mão de trabalhar na prosa.
Cléber Eduardo http://www.revistacinetica.com.br/commareseca.htm
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Fôlego, de Kim Ki-Duk, é o filme dos Amigos do Cinema na próxima segunda (10/08). Como sempre, às 20 horas na Estação Férrea.
Fôlego, de Kim Ki-Duk
Sinopse
Yeon (Park Ji-a) vive uma vida confortável, mas vazia. Seu marido (Ha Jung-Woo) a trata com indiferença. Quando ele confessa sua infidelidade, Yeon decide ir até a prisão para encontrar Jin (Chen Chang), um assassino que está esperando a execução. Mesmo sem conhecer o prisioneiro, Yeon trata-o como um velho amigo. De início ele não se abre, mas logo as coisas mudam. Os dois então começam um estranho e apaixonante relacionamento. Mas não resta muito tempo para Jin encontrar seu destino final, e Yeon não se conforma em despedir-se dele dessa forma.
Ficha Técnica
Título no Brasil: Fôlego
Título Original: Soom / Breath
País de Origem: Coréia do Sul
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 84 minutos
Ano de Lançamento (Coréia do Sul): 2007
Estúdio: Cineclick Asia / Sponge / Kim Ki-Duk Film
Distribuição: Tartan USA
Direção: Kim Ki-Duk
Roteiro: Kim Ki-Duk
Produção: Sung Jong-Moo
Edição: Wang Su-An
Elenco
Chen Chang (Jin Jang)
Ha Jung-Woo (Marido)
Park Ji-a (Yeon)
Kim Ki-Duk
Críticas -
Resenha crítica do filme "Fôlego" por Rodolfo Lima - Jornalista, ator e crítico de cinema
http://www.cranik.com/filme_folego.html
Fazer algo pelo outro está cada vez mais difícil. Primeiro porque o homem está cada vez mais individualista e segundo por egoísmo mesmo. São tão parcos os recursos que abrir mão em prol do outro está virando atitude rara. Mesmo quando o suposto auxilio nos será benéfico, titubeamos e pensamos duas vezes. Você ajudaria um condenado a morte, sem ao menos saber seus motivos e muito menos os seus?
No filme de Kim Ki-duk (Casa Vazia) uma burguesa entediada com a rotina e com a ausência do marido resolve visitar um presidiário para quem saber assim dar algum sentido para sua tediosa vida. Yeon (Jia Park) começa a visitar Jang (Chang Chen) e suas rotinas são alteradas por tal atitude. De um lado uma mulher que se torna útil para alguém, se vê desejada e esperada. De outro um homem que vê sua vida sendo colorida aos poucos enquanto espera á hora da execução.
Para Ki-duk não há palavras que justifiquem as ações. Não é necessário nomear o feito quando elas vêm carregadas de simbologia e lirismo. Este é o grande trunfo do filme que foi o grande favorito para a Palma de Ouro em Cannes no ano passado. Não levou, mas merecia. É poesia pura.
Mesmo com toda a aridez que o filme registra, desde a casa da protagonista, as ruas e os muros da prisão, a história consegue envolver o espectador com uma sensibilidade rara. Lembro-me de ter sentido isto a última vez quando vi o brasileiro "O Céu de Suely". Sem deixar de ser engraçado e por vezes surreal, o cineasta traça a trajetória de duas pessoas que se cruzam, sem necessariamente pertencerem ao mesmo mundo ou terem que se justificarem por tal diferença.
Num mundo onde cada vez mais somos cobrados a justificar os fins e os meios, e sermos competitivos. Yeon se livra das amarras do seu casamento burguês e machista para tentar assim se salvar da mediocridade. Ela não sabe o que está fazendo, não tem noção dos seus atos, somente age. E tal imprudência faz toda a diferença, pois põe em risco sua família, e faz com que o marido perceba o que está acontecendo e reaja. Quando agimos com este desprendimento de não cometer erros? Quando jogamos tudo para o alto mesmo que isso afete as pessoas que nos rodeia?
"Fôlego" lida com três histórias que se entrelaçam. A história de Yeon e se marido, Yeon e o Jang e Jang e o colega de cela. O amor homossexual é tratado com secura, sem deixar de ser intenso pelo olhar do apaixonado. No isolamento em que se encontram como salvar-se da loucura? Como não perecer de tédio e carência? Amando seu semelhante? Se entregando a uma - outrora - impensável relação homossexual? Não importa. "Fôlego" não julga seus personagens, mesmo quando um deles leva um tapa na cara, é completamente compreensível. Lembrando uma frase do impagável filme "A Professora de Piano": (...) ninguém pode invadir uma pessoa e sair impunemente.
Assim são os personagens de Kim Ki-duk, seres que andam em círculos procurando uma saída para se salvar desta desolação que vai se apropriando dos corações dos homens. Seremos capazes de perdoar e sermos perdoados? Teremos a grandeza que correr atrás do tempo perdido e refazer nossa trajetória com mais dignidade e objetividade? Poderemos enfim encontrar a tão desejada segurança, que infelizmente parece residir no outro?
Não sabemos. Navegamos a espera destas respostas. Ao sair do cinema no final da sessão, fiquei com estas questões me rodeando e me confortando. Se houvesse mais personagens como Yeon no cinema, talvez não fossemos influenciado por tanta estupidez e incoerência e não seriamos tão covardes e imóveis. Agiríamos. Mudaríamos. Renasceríamos.
Não explicito nesta resenha com mais detalhes meus questionamentos, para que você não perca a oportunidade de ser surpreendido, de ser tocado. Em "Fôlego", revelar qualquer detalhe do filme prejudica sua apreciação.
A cena que justifica o nome do filme é de tirar você do encosto da poltrona. É tão improvável e bela que nem sabemos o que pensar, apenas a digerimos num fôlego só, como que estupefatos pelas ações alheias. Inesquecível.
Crítica do filme “Fôlego”por Érika Liporaci, Colunista do Adoro Cinema
http://www.adorocinema.com/filmes/sem-folego-2007/sem-folego-2007.asp
"O coreano Kim Ki-Duk tem um estilo bem particular. Seus personagens são sempre pessoas comuns que, motivadas por sentimentos avassaladores, partem para atitudes nada convencionais. Foi assim como o belo Casa Vazia e o confuso Time. Esse seu novo trabalho talvez seja o mais bem-resolvido de todos, por ter a poesia do primeiro e a ousadia do segundo. Sem Fôlego é de um lirismo e criatividade que encantam, mesmo nas passagens em que a história poderia soar incoerente.
O encontro da jovem desiludida com o assassino (também ele uma pessoa que abandonou todas as esperanças) e a força do sentimento desesperado que nasce entre esses dois condenados é de uma beleza comovente. O modo como Yeon se empenha em tornar os últimos dias de Jin um resumo de tudo que ela poderia lhe oferecer se a vida os tivesse reunido em condições mais favoráveis é algo que traz a salvação dela também, pois encontrou alguém que aprecia e precisa da sua imaginação que até então estava estagnada. Yeon transforma a penitenciária e os poucos minutos de visitação num universo mágico, a ponto de recriar as estações do ano e suas sensações.
É um filme cheio de simbolismo e delicadeza, marcado por uma comunicação mais sensorial do que verbal entre os dois personagens centrais. Também o título é bastante apropriado, já que a respiração está sempre em destaque: ofegante, prazerosa, assustada, enfim, como um termômetro do estado espírito de cada um. E o fôlego - ou a falta dele - é assunto para uma das mais belas cenas que ocorrem entre os personagens."
Sinopse
Yeon (Park Ji-a) vive uma vida confortável, mas vazia. Seu marido (Ha Jung-Woo) a trata com indiferença. Quando ele confessa sua infidelidade, Yeon decide ir até a prisão para encontrar Jin (Chen Chang), um assassino que está esperando a execução. Mesmo sem conhecer o prisioneiro, Yeon trata-o como um velho amigo. De início ele não se abre, mas logo as coisas mudam. Os dois então começam um estranho e apaixonante relacionamento. Mas não resta muito tempo para Jin encontrar seu destino final, e Yeon não se conforma em despedir-se dele dessa forma.
Ficha Técnica
Título no Brasil: Fôlego
Título Original: Soom / Breath
País de Origem: Coréia do Sul
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 84 minutos
Ano de Lançamento (Coréia do Sul): 2007
Estúdio: Cineclick Asia / Sponge / Kim Ki-Duk Film
Distribuição: Tartan USA
Direção: Kim Ki-Duk
Roteiro: Kim Ki-Duk
Produção: Sung Jong-Moo
Edição: Wang Su-An
Elenco
Chen Chang (Jin Jang)
Ha Jung-Woo (Marido)
Park Ji-a (Yeon)
Kim Ki-Duk
Críticas -
Resenha crítica do filme "Fôlego" por Rodolfo Lima - Jornalista, ator e crítico de cinema
http://www.cranik.com/filme_folego.html
Fazer algo pelo outro está cada vez mais difícil. Primeiro porque o homem está cada vez mais individualista e segundo por egoísmo mesmo. São tão parcos os recursos que abrir mão em prol do outro está virando atitude rara. Mesmo quando o suposto auxilio nos será benéfico, titubeamos e pensamos duas vezes. Você ajudaria um condenado a morte, sem ao menos saber seus motivos e muito menos os seus?
No filme de Kim Ki-duk (Casa Vazia) uma burguesa entediada com a rotina e com a ausência do marido resolve visitar um presidiário para quem saber assim dar algum sentido para sua tediosa vida. Yeon (Jia Park) começa a visitar Jang (Chang Chen) e suas rotinas são alteradas por tal atitude. De um lado uma mulher que se torna útil para alguém, se vê desejada e esperada. De outro um homem que vê sua vida sendo colorida aos poucos enquanto espera á hora da execução.
Para Ki-duk não há palavras que justifiquem as ações. Não é necessário nomear o feito quando elas vêm carregadas de simbologia e lirismo. Este é o grande trunfo do filme que foi o grande favorito para a Palma de Ouro em Cannes no ano passado. Não levou, mas merecia. É poesia pura.
Mesmo com toda a aridez que o filme registra, desde a casa da protagonista, as ruas e os muros da prisão, a história consegue envolver o espectador com uma sensibilidade rara. Lembro-me de ter sentido isto a última vez quando vi o brasileiro "O Céu de Suely". Sem deixar de ser engraçado e por vezes surreal, o cineasta traça a trajetória de duas pessoas que se cruzam, sem necessariamente pertencerem ao mesmo mundo ou terem que se justificarem por tal diferença.
Num mundo onde cada vez mais somos cobrados a justificar os fins e os meios, e sermos competitivos. Yeon se livra das amarras do seu casamento burguês e machista para tentar assim se salvar da mediocridade. Ela não sabe o que está fazendo, não tem noção dos seus atos, somente age. E tal imprudência faz toda a diferença, pois põe em risco sua família, e faz com que o marido perceba o que está acontecendo e reaja. Quando agimos com este desprendimento de não cometer erros? Quando jogamos tudo para o alto mesmo que isso afete as pessoas que nos rodeia?
"Fôlego" lida com três histórias que se entrelaçam. A história de Yeon e se marido, Yeon e o Jang e Jang e o colega de cela. O amor homossexual é tratado com secura, sem deixar de ser intenso pelo olhar do apaixonado. No isolamento em que se encontram como salvar-se da loucura? Como não perecer de tédio e carência? Amando seu semelhante? Se entregando a uma - outrora - impensável relação homossexual? Não importa. "Fôlego" não julga seus personagens, mesmo quando um deles leva um tapa na cara, é completamente compreensível. Lembrando uma frase do impagável filme "A Professora de Piano": (...) ninguém pode invadir uma pessoa e sair impunemente.
Assim são os personagens de Kim Ki-duk, seres que andam em círculos procurando uma saída para se salvar desta desolação que vai se apropriando dos corações dos homens. Seremos capazes de perdoar e sermos perdoados? Teremos a grandeza que correr atrás do tempo perdido e refazer nossa trajetória com mais dignidade e objetividade? Poderemos enfim encontrar a tão desejada segurança, que infelizmente parece residir no outro?
Não sabemos. Navegamos a espera destas respostas. Ao sair do cinema no final da sessão, fiquei com estas questões me rodeando e me confortando. Se houvesse mais personagens como Yeon no cinema, talvez não fossemos influenciado por tanta estupidez e incoerência e não seriamos tão covardes e imóveis. Agiríamos. Mudaríamos. Renasceríamos.
Não explicito nesta resenha com mais detalhes meus questionamentos, para que você não perca a oportunidade de ser surpreendido, de ser tocado. Em "Fôlego", revelar qualquer detalhe do filme prejudica sua apreciação.
A cena que justifica o nome do filme é de tirar você do encosto da poltrona. É tão improvável e bela que nem sabemos o que pensar, apenas a digerimos num fôlego só, como que estupefatos pelas ações alheias. Inesquecível.
Crítica do filme “Fôlego”por Érika Liporaci, Colunista do Adoro Cinema
http://www.adorocinema.com/filmes/sem-folego-2007/sem-folego-2007.asp
"O coreano Kim Ki-Duk tem um estilo bem particular. Seus personagens são sempre pessoas comuns que, motivadas por sentimentos avassaladores, partem para atitudes nada convencionais. Foi assim como o belo Casa Vazia e o confuso Time. Esse seu novo trabalho talvez seja o mais bem-resolvido de todos, por ter a poesia do primeiro e a ousadia do segundo. Sem Fôlego é de um lirismo e criatividade que encantam, mesmo nas passagens em que a história poderia soar incoerente.
O encontro da jovem desiludida com o assassino (também ele uma pessoa que abandonou todas as esperanças) e a força do sentimento desesperado que nasce entre esses dois condenados é de uma beleza comovente. O modo como Yeon se empenha em tornar os últimos dias de Jin um resumo de tudo que ela poderia lhe oferecer se a vida os tivesse reunido em condições mais favoráveis é algo que traz a salvação dela também, pois encontrou alguém que aprecia e precisa da sua imaginação que até então estava estagnada. Yeon transforma a penitenciária e os poucos minutos de visitação num universo mágico, a ponto de recriar as estações do ano e suas sensações.
É um filme cheio de simbolismo e delicadeza, marcado por uma comunicação mais sensorial do que verbal entre os dois personagens centrais. Também o título é bastante apropriado, já que a respiração está sempre em destaque: ofegante, prazerosa, assustada, enfim, como um termômetro do estado espírito de cada um. E o fôlego - ou a falta dele - é assunto para uma das mais belas cenas que ocorrem entre os personagens."
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