quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Filme da semana: Cronicamente Inviável


O filme apresentado essa semana, dia 19 de setembro, às 21h10, será Cronicamente inviável.

Aguardamos todos lá.

Abraço,
Caco.

Sérgio Bianchi: Cronicamente inviável e Divina previdência

Sinopse:
O filme "Cronicamente Inviável" narra trechos das histórias de vida de seis personagens (Alfredo, Amanda, Adam, Carlos, Luis e Maria Alice), mostrando a dificuldade de sobrevivência mental e física em meio ao caos da sociedade brasileira, que atinge a todos independentemente da posição social ou da postura assumida. Estas situações têm como fio condutor um restaurante num bairro rico de São Paulo, que é de propriedade de Luis (Cecil Thiré). Ele é um homem de meia idade, refinado, acostumado com as boas maneiras, mas ao mesmo tempo irônico e pungente. Alfredo (Umberto Magnani) é um escritor que está realizando um estranho passeio pelo país, buscando compreender, a partir de uma visão ácida da realidade, os problemas de dominação e opressão social. Adam (Dan Stulbach), recém chegado do Paraná, é o mais novo garçom do restaurante de Luis, e se destaca dos demais empregados por sua descendência européia, tanto por seu aspecto físico, quanto por sua boa instrução e insubordinação. Maria Alice (Betty Gofman) é uma carioca classe média-alta que está sempre preocupada em manter o mínimo de humanidade na relação com as pessoas de classe mais baixa. É casada com Carlos (Daniel Dantas), um homem com uma visão pragmática da vida, que acredita na racionalidade como forma de tirar proveito da bagunça típica do Brasil. Amanda (Dira Paes), gerente do restaurante de Luis, é uma pessoa cativante, com um passado incerto, encoberto pelas várias histórias que costuma contar para os amigos e os refinados clientes do restaurante.

Crítica:
Neste programa, dois filmes reforçam a urgência de um cinema de confronto, provocação e polêmica, no panorama atual onde o cinema brasileiro anda cada vez mais comportado: o longa Cronicamente inviável, de 2000, e o curta Divina previdência, de 1983. Ambos exibem, e muitas vezes gritam, a preocupação com a representação da realidade social e política do país através das fraturas do tecido social de um mundo degradado ecologicamente, como nas imagens impressionantes de uma floresta amazônica queimada de Cronicamente, ou povoado por personagens acuadas e submetidas a massacres cotidianos, como o desgraçado indivíduo em busca de atendimento nas filas e na burocracia do sistema público de saúde de Divina previdência. Trata-se de um cinema que não tem medo de expor ao ridículo figuras detentoras do poder corrupto e institucionalizado, num acúmulo de tipos, situações e recorrências que explodem, de forma esgarçada, a linguagem do mundo organizado.

Sérgio Bianchi pertence a uma geração intermediária entre os realizadores pós-Cinema Novo, mais próximos do chamado “cinema marginal”, que surge entre as décadas de 1960 e 1970. Sua filmografia é marcada por uma aguda necessidade de questionar o país em suas tragédias nacionais, econômicas, culturais e sociais e a própria linguagem cinematográfica, que torna possível a representação do que vivenciamos como “Brasil”. Para isso, apaga as fronteiras entre o que se convencionou classificar como ficção e documentário. Em diferentes chaves, assiste-se ao cinema da distopia, onde o desencanto acompanha a reflexão enviesada sobre tudo aquilo que não deu e nem dá certo. O espectador é constantemente interpelado através de personagens que se dirigem diretamente à câmera e convidado a participar de um questionamento sem saída. A intenção, como deixa claro o primeiro plano de Cronicamente inviável, é incendiária. O fogo ateado a um ninho de vespas prepara o espectador, de certa maneira, para o que virá pela frente. A estrutura episódica encontrada neste filme parece servir de pretexto para mostrar uma espécie de colagem de microcosmos de histórias e motivações pessoais que inter-relacionam as mazelas do país com a agressividade necessária para abalar a indiferença e a anestesia reinantes. Trata-se de um cinema que vem ampliando seu caminho de radicalização diante dos “horrores” nacionais. Mas há espaço, também, para o humor, ainda que corrosivo e irônico, ainda que o riso provocado seja um riso de tom francamente “amarelo”.

A ironia e a ambigüidade presentes já a partir de títulos como Divina previdência ou Cronicamente inviável, encontram eco na crueldade anárquica do desencanto, da raiva e de uma certa impotência diante do inexorável. Em toda a sua filmografia, Bianchi nos parece muito mais interessado em levantar questões e provocar desconforto pela dificuldade de se encontrar respostas plausíveis para esses dilemas nacionais. Tal atitude tem o significado muitas vezes de uma crítica a um niilismo que atira em todas as direções. Entretanto, essa atitude é ainda mais verdadeira, sincera, vez que o próprio realizador não se posiciona num lado superior, inscrevendo-se, pela voz e pelo corpo, no círculo de ironia e crítica proposto pelos filmes. No fundo, Bianchi talvez pareça lutar por um desejo de transformação e, longe de qualquer atitude niilista, buscar exatamente um sentido (im)possível de ordem num horizonte (im)provável.

João Luiz Vieira é professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense e autor de, entre outros, Câmera-faca: o cinema de Sérgio Bianchi, publicado em Portugal (2004) pelo Festival de Cinema Luso Brasileiro de Santa Maria da Feira.

Ficha Técnica

Cronicamente Inviável
(SP, 2000, Fic, Cor, 35mm, Dolby Digital, 102´)
Direção: Sergio Bianchi
Roteiro: Sergio Bianchi e Gustavo Steinberg
Empresa produtora: Agravo Produções Cinematográficas
Produção executiva: Sergio Bianchi ,Gustavo Steinberg e Alvarina Souza Silva (RJ)
Direção de produção: Carmem Schenini e Rossine A. Freitas (RJ)
Diretor de fotografia: Marcelo Coutinho e Antonio Penido (RJ)
Montagem: Paulo Sacramento
Direção de arte: Beatriz Bianco, Pablo Vilar e Jean-Louis Leblanc (RJ)
Figurino: Beatriz Bianco e Luiza Marcier (RJ)
Técnico de som direto: Heron Allencar
Edição de som: Miriam Biderman
Mixagem: José Luiz Sasso
Estúdio de som: JLS

Elenco:
Cecil Thiré,
Betty Goffman,
Umberto Magnani,
Daniel Dantas,
Dira Paes,
Dan Stulbach,
Leonardo Vieira.